terça-feira, 29 de setembro de 2009

JUVÊNCIO E A "TIA"

Ricardo Montedo

São Pedrito, como toda cidadezinha do interior, têm seus personagens pitorescos, figuras que, seja por suas esquisitices ou pela maneira diferente de ser, passam a fazer parte do folclore, viram uma espécie de patrimônio cultural da cidade. Em São Borja, por exemplo, o João das Balas, além de ser citado na música “João Campeiro”, dos Angüeras, virou até nome de praça.
Em São Pedrito, uma dessas figuras era a conhecida “tia”. Uma senhora esquálida, maltrapilha, de idade indefinida, surda-muda, que andava a pedir esmolas pela cidade toda, sempre a exibir uma caixa ou bula de remédio, pretextando, com gestos frenéticos, a urgência que tinha em adquirir o medicamento.
A “tia” parecia não dar importância ao fato de um dia a bula ser de um caríssimo comprimido para pressão alta e no outro de um simples laxante.
O fato é que acabava conquistando a todos com sua simpatia e sempre terminava arranjando alguns trocados.
É aí que entra nosso herói, Juvêncio, o taura do Jarau.
À época desse fato, boa parte dos militares do 144º RC tinha sido transferida para outra cidade e recém haviam recebido polpuda indenização. Em tempos de inflação altíssima,não havia um segundo a perder e a milicada correu aos bancos da cidade em busca da aplicação financeira que pudesse dar uma boa rentabilidade ao dinheiro, uma vez que, logo, logo, ele teria que ser gasto com as despesas da mudança.
Depois de uma desavença com o gerente do Banco do Brasil, o Juvêncio, só de brabo, que com índio de Quarai não se brinca, sacou, em espécie, todo o saldo que tinha e encerrou sua conta corrente.
Como São Pedrito só tinha duas agências bancárias, ainda furioso, o sargentão atravessou a praça principal e foi até a agência da Caixa Econômica Federal, fincou os cotovelos no balcão de atendimento e ali ficou, à espera que alguém lhe desse atenção. Não demorou em um funcionário dirigiu-se ao gauchinho:
- Pois não, senhor, em que posso servi-lo?

Dando-se ares de grande importância, respondeu:
- Tchê, o negócio é o seguinte, vê onde eu posso aplicar este dinheiro aqui!

E, enfiando a mão no bolso da farda, sacou de lá um monte de notas, de modo a impressionar o atendente, só que estas escaparam de sua mão e caíram ao chão.
Ao abaixar-se para apanhar o dinheiro, Juvêncio percebeu um par de mãos descarnadas tentando fazer o mesmo, e não teve dúvidas: num ato de puro reflexo, empurrou com a mão livre o desaforado que se atrevia a meter a mão no seu dinheiro, sem nem sequer aperceber-se de quem era.
Só quando notou o silêncio que se seguiu e o olhar de reprovação do funcionário e dos clientes, nosso amigo, ainda juntado cédulas, ergueu o olhar a tempo de ver a pobre “tia” estatelada no chão, ela que só queria ajudar para ganhar um trocadinho.
Depois dessa, só restou ao Juvêncio viajar oitenta quilômetros e aplicar seu dinheiro na vizinha cidade de Dom Gabriel.

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